Terapia familiar: Como funciona e quem pode fazer
Será que tua família está precisando de cuidados especiais?
Atribuir as tensões familiares ao chamado “choque de gerações” é tapar o sol com a peneira, ou seja, não admitir a real dimensão dos problemas. De fato, as diferenças existentes podem desencadear uma série de conflitos, que muitas vezes são responsáveis por distanciar pais e filhos, fisicamente, mas, principalmente emocionalmente.
Vamos mostrar uma situação corriqueira que levam (ou deveriam levar) as famílias a procurarem ajuda de um profissional. Muitos casais não conseguem chegar a uma conclusão sobre a criação dos filhos. Enquanto um possui um espírito mais conservador, outro acredita que a relação entre pais e filhos deva ser mais flexível. As diferenças não são discutidas, tampouco respeitadas. Nesse ambiente de discordância, instala-se uma verdadeira guerra para ver quem tem razão. Os filhos ficam no meio disso, livres, sem nenhuma referência de amor, cordialidade e respeito e adotando esse padrão de convivência entre si e em suas relações amorosas e com amigos.
Passam-se anos sem reconhecer o conflito, sem ninguém dar uma trégua e sem a real tentativa de sentar e conversar. Os filhos tornam-se adultos e financeiramente independentes. As personalidades do casal estão cada vez mais desestruturadas e as dos filhos já estão formadas. Nesse cenário onde os pais entraram em conflito por não encontrarem um denominador comum, os filhos não sabem conversar e travam guerras para defender seus pontos de vista.
Tudo piora quando a família possui bom padrão financeiro. Além dos conflitos gerados pelas diferenças de personalidade, e pela dificuldade em respeitá-las, a ganância em controlar os negócios, ou então, por ter uma mesada mais gorda torna o “choque de gerações” ainda mais complexo. Quem sempre teve o poder, acredita que isso é natural, afinal de contas, somente uma pessoa com bom senso pode assumir uma posição de controle. Quem se sente inferiorizado, luta para provar que é um injustiçado e acusa o outro de ser manipulador. Cada um tem convicção em suas verdades. Todos levam as batalhas para convencer que estão certos até as últimas consequências. Todos se isolam emocionalmente, e muitas vezes a separação física é para sempre.
Dependência química é outro fator que leva muitas famílias a procuraram ajuda profissional. A doença degrada a relação familiar, causando o isolamento emocional e físico. Estudos apontam essa metodologia como uma importante ferramenta para auxiliar o tratamento de transtornos alimentares e de humor.
Quando os conflitos internos comprometem nossa existência, a terapia nos ajuda a encontrarmos a raiz desses problemas. Mas, como a psicologia pode auxiliar nas desordens familiares? Veja quais são as principais correntes:
A terapia familiar surgiu na década de 50, revolucionando a psicologia, visto que seu objetivo, ao contrário da terapia individual é tratar o conjunto, nesse caso, a família. Podemos citar Gregory Bateson e Nathan Ackerman como percussores. O desenvolvimento desse método terapêutico se deu nas décadas de 60, 70 e 80. Nesse período surgiram várias escolas, sendo que as mais famosas são Sistêmica, Estrutural, Estratégica, Boweniana e Experencial.
A terapia familiar boweniana, criada pelo psiquiatra Murray Bowenx estabelece que duas forças estimulam o relacionamento humano, a individualidade e a proximidade. O problema ocorre quando a família não encontra equilíbrio entre esses pólos. Os principais objetivos dessa terapia é levar as pessoas a descobrirem suas verdadeiras personalidades e aprenderem suas condutas nos relacionamentos, a fim de assumir as responsabilidades pelos seus atos.
A terapia estrutural tem no argentino Salvador Minuchin seu grande nome. Ela tem como foco o desenvolvimento dos comportamentos familiares, mediante a criação de um esquema para análise dos relacionamentos. Dentro desse conceito, a estrutura compreende as formas de comportamento, os subsistemas são divididos em sistema conjugal, sistema fraterno, sistema filial e sistema parental.
A terapia estratégica teve como principais representantes Jay Haley, John Weakland, Mara Silvini, Bateson, Miltom Erickson, Boscolo e Cecchin. Sua abordagem é voltada para a resolução de problemas. Foi duramente criticada, sendo considerada por muitos uma terapia de caráter manipulador, pois, o cliente era levado a uma mudança sem que este fizesse um real resgate das causas dos seus problemas. Segundo a terapia familiar estratégica, os conflitos têm as seguintes causas: soluções ineficientes e a negação dos sintomas.
Muitas pessoas relutam em procurar ajuda de um psicólogo. Acreditam que fazer terapia é coisa de gente maluca, ou que não tem nada para fazer. Mas, convidamos você a responder essas questões:
- Você e os demais integrantes da sua família ficam tristes e com raiva constantemente?
- Refeições em família, ou qualquer outra situação que leve a estar na companhia dela causam irritação?
- Alguma situação traumática não sai da cabeça?
- Você os outros membros da família constantemente se queixam de dores musculares, mesmo sem a prática de exercícios físicos?
- Existe uso de bebidas, cigarro e demais drogas?
Responda sinceramente essas perguntas. Reflita sobre as respostas e trace um panorama sobre o relacionamento familiar, você pode se surpreender.
Outra terapeuta que contribuiu bastante para a terapia familiar foi a psicóloga americana Virginia Satir (1916-1988), que estudou a importância da família no desenvolvimento da personalidade dos filhos. Segundo essa análise, integrantes de famílias saudáveis demonstram abertamente o afeto que sentem pelo outro. Em contrapartida, integrantes de famílias que não gozam dessa plenitude, como a do exemplo citado acima, inventam personalidades para conseguirem lidar com o ambiente hostil. De acordo com Satir, os membros de famílias desordenadas desempenham os seguintes papeis:
- Acusador – O acusador encontra falhas em todo mundo e não perde uma oportunidade de criticar.
- Destruidor – É o que menos consegue enxergar a real dimensão dos problemas, pois, os transfere para questões triviais.
- Intelectual distante – Concentra tempo e energia nos estudos para fugir dos problemas e dos demais integrantes da família.
- Apaziguador – Quer agradar a todos e sempre pede desculpas.
- Nivelador – Comunica-se abertamente com todos.
Dentro dessa análise, a psicóloga aprimorou a terapia familiar. Trata-se de uma abordagem psicoterapêutica, onde participam pais, filhos, avós e até mesmo pessoas que não sejam da família, mas, que sejam próximas a ela. A terapia familiar, assim como as demais, baseia-se em um diálogo entre as partes envolvidas promovido pelo terapeuta. Essa conversa visa trazer à tona as raízes dos conflitos, as motivações que levam cada membro da família a insistir em comportamentos destrutivos.
As sessões duram de 50 a 60 minutos. A sala precisa ser espaçosa, com temperatura controlada, com móveis sóbrios. As cadeiras deverão ser dispostas em círculo, pois, é um bate papo. A sala precisa apresentar elementos lúdicos em sua decoração, a fim de proporcionar um espaço agradável para as crianças. O espaço também pode ter um espelho unidirecional forrado com uma película, de forma que a conversa seja vista de uma sala contígua. Ainda existe a possibilidade de usar uma câmera para registrar as sessões, no intuito de ajudar o psicólogo a conduzir a terapia. Ambas as intervenções precisam ser autorizadas pelas famílias.
Uma ramificação da terapia familiar bastante difundida no Brasil é a Constelação Familiar, também chamada de Movimentos da Alma e de Movimento do Espírito – Hellinger Science – uma Ciência dos Relacionamentos. Desenvolvida pelo filósofo e terapeuta alemão Bert Hellinger é um método que mostra a cada envolvido o seu real papel na família. A Constelação Familiar é aplicada somente em situações extremamente críticas. É aplicado em apenas uma sessão. O paciente diz uma frase ao terapeuta (nessa ocasião chamado de constelador). Na sala, um grupo representa os integrantes da família. O grupo fica no meio da sala, sem falar, ou fazer qualquer tipo de interferência. É posicionado de acordo como o paciente enxerga seu clã familiar em seu inconsciente. Através dessa intervenção, o constelador consegue identificar como o paciente vê sua família (raiva, arrogância, inferioridade, etc.).
Os benefícios dessa terapia criada por Hellinger são:
- Pertencimento: Todo mundo tem direito de pertencer. A família é um sistema que não suporta exclusão;
- Hierarquia: Determinada pela ordem de chegada (nascimento);
- Equilíbrio do dar e receber: Os pais dão e os filhos recebem. Na relação entre homem e mulher, o equilíbrio é em dupla direção – o homem supre, a mulher nutre.
Como atua o terapeuta?
O psicólogo pode trabalhar sozinho, ou então, ter um parceiro. Nessa conduta, chamada de coterapia, o recomendável é que seja um homem e uma mulher, porque, se houver dois homens ou duas mulheres pode gerar desconforto.
Quando o terapeuta detectar momentos de tensão, é necessário fazer uma pausa, onde os envolvidos saiam da sala em conjunto.
Essa pausa é para que o profissional também consiga recuperar sua energia e reestruture a dinâmica.
Acompanhe como é estruturada uma terapia familiar:
1ª Sessão:
A primeira sessão, o terapeuta explica a família como será o trabalho dele, e que a conversa poderá ser observada através de um espelho, ou então, filmada, deixando claro que essas intervenções serão adotadas somente com a autorização dos envolvidos.
O segundo passo é questionar a todos os membros da família quais motivos os levaram a procurar ajuda. Aconselha-se que a mãe deixada por última, porque geralmente, ela tem mais informações.
2ª Sessão:
A segunda sessão é realizada quinze dias depois. Esse tempo é necessário para a família analisar se vale ou não continuar com a terapia. A decisão deve ser tomada em conjunto, levando em consideração a empatia com o (s) terapeuta (s).
O terapeuta pede que a família faça um retrospecto da sessão anterior. Dessa forma, o profissional vê como estão os ânimos, e se as prescrições feitas na primeira sessão estão sendo cumpridas.
As demais sessões:
As futuras sessões são realizadas a cada três semanas ou mensalmente. A periodicidade varia conforme de acordo com as características da família, bem como sua evolução. Ao longo do processo, o profissional pode estipular etapas de manutenção, que podem ser trimestrais ou semestrais.
Veja quais são os principais benefícios da terapia familiar
- Promoção do autoconhecimento;
- Os envolvidos compreendem a importância de entender, respeitar e dialogar;
- Compreensão de que os comportamentos são estabelecidos por padrões;
- Melhorar a comunicação e as relações interpessoais;
- Compreensão de que cada membro da família é uma engrenagem, se uma não funciona bem, as demais serão afetadas.
A terapia, que já foi chamada de “a cura pela palavra” é de grande valia quando todos os membros da família entendem que existem elementos que atrapalham a convivência, consequentemente o desenvolvimento pessoal de cada um. É uma proposta que permite a todos acessarem sentimentos totalmente desconhecidos.
O terapeuta não interfere, não julga e não aponta o que a família deve fazer para resolver seus problemas. Ele atua como um mediador, organizando a conversa, permitindo que todos tenham a oportunidade de expressar suas inquietações. O profissional demonstra a importância de ouvir, respeitar e conversar sobre as desordens que acometem esse núcleo.
A tarefa do terapeuta familiar é fazer com que cada integrante acorde para a sua responsabilidade sobre o comportamento do outro. Por exemplo, quando a esposa se queixa que o marido não é muito dado a demonstrações de carinho, o profissional questiona como ela contribui para a manutenção desse comportamento, desafiando a mulher a buscar dentro de si as causas do comportamento do marido.
Quando o terapeuta consegue extrair os padrões que levaram as pessoas a uma situação de desarranjo, é como se ele colocasse algumas gotas de óleo nas engrenagens enferrujadas. Em cada sessão as engrenagens rodam cada vez mais eficientes, irradiando as demais. A terapia, portanto, estabelece como uma oportunidade onde cada um entra em conexão consigo, a fim de estabelecer uma unidade saudável que contribui para a convivência familiar plena.
Independentemente da metodologia adotada, o terapeuta precisa ter muito cuidado em seu trabalho como mediador, pois, segundo Murray Bowen, criador da terapia boweniana “o entendimento do funcionamento familiar é mais importante do que qualquer instrumental técnico”.
Nesse artigo, fizemos um panorama sobre as particularidades da terapia familiar, suas principais correntes e forma de aplicação. Caso você esteja passando por uma situação de desarranjo no núcleo familiar, ou então, conhece alguém nessa situação, leia com atenção. A leitura servirá para clarear as ideias, e fundamentalmente criar coragem para reconhecer a dificuldades de relacionamento em sua família e buscar ajuda, bem como vencer a barreira do medo e convidar quem está vivenciando uma rotina de brigas a fazer um exercício de autoconhecimento.
(eusemfronteiras)